Dia do Livro: “Retratos” de Dorian Gray – um “vra” do esteticismo ao narcisismo e as frivolidades pós-modernas

Em homenagem ao dia do livro, posto um texto sobre O romance que li em 2008 e que desde então tem mudado minha vida por dezenas de motivos. Não me perguntem o porquê. Em 2019 defendo minha tese sobre eles, aí vocês poderão saber.

Em julho de 1890, Oscar Wilde publicava no periódico norte-americano Lippincott´s Magazine o seu famoso romance  decadente “O Retrato de Dorian Gray”, o que o levou à ascensão e à desgraça, confundindo os leitores e alguns pobres críticos da época de que “Dorian Gray” seria de fato um retrato, algo auto-biográfico, de Oscar Wilde. Após a publicação na revista que ocorreu simultaneamente nos EUA e na Inglaterra, logo vieram críticas pesadas de todos os cantos, principalmente dos ingleses vitorianos falso moralistas.

O enredo do romance não tem nada de espetacular: um jovem, rico e belo rapaz chamado Dorian Gray chega à Londres decadente na última década do século XIX e logo é apresentado à alta sociedade inglesa e às rodas de artistas, políticos, artistas e outras pessoas que vivem de fazer nada ou fazer “carão” como diríamos hoje, como o dândi decadente Lord Henry Wotton. No entanto, Dorian logo chama a atenção de todos por sua BELEZA, o que faz o pintor Basil Hallward se apaixonar de corpo e alma, mais alma do que corpo, pelo jovem narciso. Basil então pinta um quadro de Dorian e logo torna-se ainda mais apaixonado pelo retrato e por Dorian. A pintura de singular beleza chama a atenção chama a atenção de todos, inclusive de Henry que elogia Dorian Gray por sua beleza e diz ao rapaz, uma das frases mais famosas do livro: “É uma pena que você vai envelhecer e esse retrato será eternamente BELO”, e Dorian se lastima ao saber dessa cruel verdade e deseja do fundo de seu âmago que isso não fosse verdade e ele permanecesse eternamente jovem enquanto a pintura se deteriorasse. O desejo misteriosamente se realiza, ninguém sabe como, mas como nada é de graça no universo, Dorian pagará um preço alto por seu desejo ter sido realizado através das forças divinas (ou obscuras): tudo que Dorian fazer de errado, ou aos moldes vitorianos, o que for considerado IMORAL. Logo Dorian, influenciado por Henry começa a viver uma vida hedonista e descobre os mais excêntricos prazeres carnais nas noites e em lugares decadentes de Londres.

Dorian Gray não se limita e não define sexualmente, moralmente, espiritualmente a qualquer rótulo; isso de fato é um dos pontos mais pós-modernos do romance: a questão da identidade, da não-definição ou ou outro qualquer rótulo. Wilde, o próprio, seguia em vida essa filosofia de vida, tantos que alguns teóricos o definem como o primeiro escritor moderno. Não vou discutir isso. Falta de paciência.

Ademais, na narrativa, Dorian vê tudo o que faz de “errado” alterar a beleza de sua pintura, que cada vez mais torna-se feia, repugnante e monstruosa, provavelmente tão degradante quanto seus atos. Dorian ao ver que a pintura se altera e fica cada vez mais horripilante, a esconde de todos em um quarto secreto de sua mansão e fica a admirar em uma sensação de sadismo o próprio reflexo monstruoso de suas ações. O duplo entra aqui. O próprio personagem se vê de frente com sua pintura, que seria seu reflexo e duplicação da sua beleza, mas que no romance ganha também outra significação: a o espelho de sua alma e seus pecados.

Não vou contar história e o fim. No spoilers, please.

Por Dorian Gray, alguns anos depois em 1895, Wilde foi julgado em Londres por “acusação” (RISOS RISOS) de ser sodomita (hoje, gay, bicha, viado, mona), pois à época ser gay era crime moral de acordo com a Emenda Labouchère, que criminalizava qualquer tipo de comportamento “desviante”… depois de quase uma ano foi comprovado que Wilde era sim  GAY e mantinha casos com a Alfred Douglas (o chamado Bosie) e vários garotos de programas e outros rapazes do meio artístico de 1885 a 1895, sendo preso em Reading e tendo que trabalhar forçadamente durante sua pena; nessa ocasião ele escreveu “De Profundis – a Balada do Cárcere do Reading”, considerada a maior carta de amor da história, para dizer o quanto sofreu e o quanto amou mas não foi amado. Wilde foi do luxo ao lixo por causa de “Dorian Gray”, mas tem sido homenageado como o primeiro mártir gay e tem estado mais e mais presente na cultura de massa de hoje seja em filmes, documentários, séries, moda ou em estilo de vida, justamente por ter recriado o arquétipo gótico, belo, decadente, imortal fin-de-siècle Dorian Gray tem sido referência para outros romances, e foi obviamente  inspirado em “Fausto” de Goethe.

O “vra” a que eu me refiro no título desse post está nas conversas e na própria filosofia que o romance retrata: Wilde, através do seu ácido grau de sarcasmo e ironia que o fizeram famoso, massacra a hipocrisia da aristocracia vitoriana, que vive de nada para fazer, além de estarem permeados de assuntos desinteressantes para debater em jantares caros de comida e vazios de conteúdo.

O próprio Dorian Gray é um reflexo da vaidade que hoje permeia o Instragram e o Facebook desses modelos fitness que se acham belos e o último biscoito do pacote. Alguns são de fatos BELOS, mas o que há por trás dessa “beleza” meramente FÍSICA? Nada, exceto vazio, ignorância e falta de caráter, se levarmos à uma comparação de como Wilde retratou seu ideal de beleza Dorian Gray. Claro que é maravilhoso contemplar corpos belos, bronzeados, rostos de Adônis e Afrodites que parecem que foram pintados a dedo. A Beleza, de fato, ultrapassa tudo, mas que serve? Para nada. Só para admirar e ficarmos perplexos durante minutos. É como um orgasmo estético, depois do ato (ou da admiração), não tem mais graça.

“O Retrato” ou as pic (tures) de hoje nos fazem pensar justamente sobre isso: da futilidade pós-moderna e dos pensamentos que muitos têm que as pessoas só se resumem à BELEZA FÍSICA. E só. Nada mais vale a pena além disso. Sim, sim, a beleza serve só para ser admirada e pronto. Beleza não preenche a alma. Quanto mais “likes” têm mais se acham a personificação da beleza, o (a) maravilhoso (a), o (a) gostoso (a). Isso é o culto das redes sociais hoje: aparecer e se mostrar muitas vezes uma falsa beleza, riqueza, status e conhecimento. Algo que eu particularmente desprezo.

Wilde tinha um senso de desprezo pela vida e por essas frivolidades e deixo aqui com vocês, alguns trechos (entre aspas) ÁCIDOS do romance que explicitam minha tese:

  • “A vida é muito importante para ser levada a sério”. Sim, a vida deve tratada com desdém e o cinismo e a frieza dos sentimentos e pensamentos nada valem. Wilde sabia ser sincero sem ser chato e sobre a sinceridade: “Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal.
  • Um tapa na cara serve também para aqueles que não vivem, que não se dão ao prazer de viver e admirar as pequenas coisas da vida; estes apenas EXISTEM, vegetam e esperam o momento de morrer por que a vida já perdeu a graça e qualquer sentido para eles: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.”
  • Sobre a inveja e não se alegrar com os êxitos dos nossos semelhantes (algo que eu mesmo já vivi várias vezes), Oscar Wilde ataca: “Todo mundo é capaz de sentir os sofrimentos de um amigo. Ver com agrado os seus êxitos exige uma natureza muito delicada,” é aí que jaz a raiz de toda a falsidade.
  • Sobre os que olham muito para a vida alheia e reclamam de tudo que alguns fazem: “Aqueles que não fazem nada estão sempre dispostos a criticar os que fazem algo.” Verdade dura!
  • Sobre o que fazemos, principalmente as pequenas coisas, que formam nosso caráter: “Os pequenos atos de cada dia fazem ou desfazem o caráter.”
  • Ironicamente, essa frase serviria de inspiração para aquelas pseudo-celebridades ridículas que fazem de tudo, mesmo o mais inimaginável para estar sempre na mídia: “Só há no mundo uma coisa pior do que ser objecto de falatórios: é não o ser.”
  • O mais profundo vra de alguém que te aconselha: “Dar bons conselhos – as pessoas gostam de dar o que mais necessitam. Considero isto a mais profunda generosidade.”
  • Quando nos culpamos por nossos erros, Wilde aponta: “A experiência é o nome que damos aos nossos erros.”
  • Sobre aparentar ser ÉTICO e ter CARÁTER na frente das pessoas: “Chamamos de Ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de Caráter”

A parte mais forte do romance. Não vou dar spoiler, como já disse anteriormente. Descubra sozinho (a), os significados e provaveis expressos nessa magistral visão negativa da vida, do mundo e das pessoas:

Influenciar uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. O indivíduo deixa de pensar com os seus próprios pensamentos ou de arder com as suas próprias paixões. As suas virtudes não lhe são naturais. Os seus pecados, se é que existe tal coisa, são tomados de empréstimo. Torna-se o eco de uma música alheia, o ator de um papel que não foi escrito para ele. O objetivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção da própria natureza, é para isso que cada um de nós vem ao mundo. Hoje em dia as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram o maior de todos os deveres, o dever para consigo mesmos. É verdade que são caridosas. Alimentam os esfomeados e vestem os pobres. Mas as suas próprias almas morrem de fome e estão nuas. A coragem desapareceu da nossa raça e se calhar nunca a tivemos realmente. O temor à sociedade, que é a base da moral, e o temor a Deus, que é o segredo da religião, são as duas coisas que nos governam.

Por fim, se você não é capaz de discutir ou filosofar sobre isso que postei, silencie: “Se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo.”

Obrigado!

A.(uricélio) S. (oares) F.(ernandes)

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